terça-feira, 7 de setembro de 2010

Vonô Nonô



No dia que o Paulo nasceu lá estava você. Chorava e me dizia: “Obrigado por ter me dado um neto!”. Tão meigo, tão sensível... De padre a "coroinha", no alto da sua cabeça. Nasceu vovô. Tão semente. Tão legal. Brincava com a gente, brincava menino: "Vinha vindo por uma estrada, topei com um pé de jaca, e toca a apanhar pêssego maduro! Vortei. Vortei prá trás...". De sargento e eletricista a zelador da Biblioteca Kennedy, na Avenida João Dias.



Na volta atrás, um dia de carnaval. Nós, assanhadas para ir ao salão do SAI Interlagos. Você se prontificando: “Vou junto, para tomar conta de vocês". Chegando lá, só vendo: foi o primeiro a cair na dança e o último a parar. Nem para tomar um trago e matar a sede. Dançava, cantava e pulava ao som da orquestra. "Tomara que chova três dias sem parar". Vontade de ir embora? Nenhuma. E o povo: “Que energia, hein vovô?”. Lembra que você tirou a moça da mesa ao lado para dançar? Nem viu a cara do marido dela. Tomamos conta de você.

Parece que tô vendo: você subindo e descendo a rua com o neto de dois anos pela mão. “Vou dar uma canseira nele, senão num dorme!”. E te vejo brincando. As crianças fascinadas. As netas agarradas. Você chorando à toa. Tão à flor da pele. Fazendo arte. Espantando solidão. Celebrando amizades. De padre Lúcio, da Santa Casa de Santo Amaro, a chá da tarde com Júlio Guerra. O quadro por ele presenteado, eternamente na parede de sua sala. Maior orgulho. Tanta fala, tanta vida. Seus intermináveis passeios pela Alameda Santo Amaro e tantas paradas obrigatórias. Simpatia pra dar e vender.


Um ritual de passagem. Você tomando sol. A rua fazendo fila para cumprimentá-lo. Boas vindas, do retorno do hospital, já morando em Leme. A Lúcia preparando a sopa de carne na Sexta-Feira Santa. "Ele pode", disse ela. E o seu penico, que tinha nome e sobrenome? "Tonico Bastos", antigo desafeto, político regional.

A UTI. Você se preparava todo. Não tanto na parte visível do corpo, porque nem tinha esta parte visível. Uma infindável memória de dias melhores na pele. Sobretudo o fumar, que lhe dava, digamos, certa nobreza de estar em si mesmo. Um inquilino perdulário daquele metro e sessenta e cinco de altura. Agora um lagarto. Você ali, preparando-se lentamente, no andamento do fôlego. Ali, vivendo a véspera indecisa. Trocando a fronha, quem sabe a senha. Ali, ouvindo um murmúrio de fora, de lá daquele vento brando na relva da coxilha que já não via mais.

Agora é só saudade. Sonhador que volta ao sonho.

3 comentários:

  1. Maria Luiza Rebouças via facebook:
    "Lendo sobre o querido nonô ,vejo que ele e papai nao eram só parecidos fisicamente.Que saudades!E você descreveu de uma maneira tao bonita e real que me fez voltar ao tempo .Muito lindo.... Beijos"

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  2. Que maravilha foi ler a essência do Vovô Nonô nas suas palavras, no seu sentimento, na sua graça de transportar momentos passados aos atuais, pude sentir a presença dele em cada situação, cada arte, cada riso, cada lágrima, cada desejo. Que forte lembrança te fez descrever um personagem real depois de tantos anos, e mais ainda a data do texto, que nos parece ter sido escrito ontem. Quanta alegria e prazer este senhor deve ter de ti, quando ao teu lado te viu transcorrer no texto, as verdades que ele viveu e que foi tão feliz. No final dos detalhes, conseguistes evocar a chama da vida eterna, a claridade, a evidência do amanhã com Cristo. Fantástico. Parabéns pela dedicação nas entrelinhas, em que nos deixa viver estes momentos, abençoado Sr Nonô. Luz e Paz na eternidade. Não existe dor depois de ler isso, só a doçura da saudade. <3 Obrigada por esta oportunidadede conhecê-los, vc e ele. Cidinha Fiore

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    1. Cidinha Fiore: Sua alta sensibilidade e amáveis palavras me comovem. Muito obrigada! Realmente, sinto-me privilégiada por ter feito parte da vida do seu Nonô. Beijos, grata pela visita e continue me honrando com sua leitura.

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