sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Alvorada


Vai raiar
Resplandecer, iluminar
Alvorada uma alegria.
Crepúsculo matutino
A desandar qualquer tino.

Era um sair de mansinho
Bater em qualquer cantinho
Valia bumbo e panela,
Bomba e até tarantela
Bate daqui e dali
Acorda aqui e acolá

Vamos indo em procissão
A cada casa, aumenta o povão
A cidade é bem pequena
Falta tudo, menos cena

Lanterna ilumina a rua
Quem não tem, pisa e se suja
Uma cobra, uma coruja
Nesta formicofilia
A festa da alvorada
Naquela periferia

Fim de mundo, fim de ano
Alvorada, festa magma
Sol nascente
E vida pela tangente.



quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Seu dia de sorte




Tarde quente. Ar abafado anunciando o temporal de sempre. Mais um verão escaldante. Céu azul celeste. O derradeiro dia de trabalho, enfim, as esperadas férias concentradas. Fim de ano. Desci do ônibus, no ponto final. Andei duas quadras. Ele atravessou a rua e veio na minha direção. De soslaio, notei que usava um chapéu como os de safári, enterrado na cabeça, até os olhos. Prognata. Bermuda larga, vermelha estampada e surrada. Camiseta grande , azul clara. Chinelo tipo havaianas, verde. Nas mãos uma sacola de supermercado, cheia. Foi chegando e perguntando:

- Por favor, você sabe onde fica o supermercado três amigos?
- Estou indo nesta direção. Vamos que eu te mostro.
- Você é corajosa.

- Você está me achando corajosa porque você pediu uma informação e eu respondi?

- É. Sabe que hoje em dia tem muita desgraceira por aí. É pai matando filho, filho matando pai, uns roubando e outros estuprando... Muita de maldade. Na moral, só tô falando, não quero te assustar. Eu mesmo fugi da cadeia, tá me entendendo? Tenho um carro logo ali, quer uma carona?

-Você está me dizendo que fugiu da cadeia....

- É. Do Carandiru. Peguei 27 anos. Sabe como é, cabeça quente, barbarizei. Mas você é corajosa, fala com estranhos, hein? Acha que eu ia ficar lá? Só quem já ficou é que sabe. Faz uma semana que estou de boa. De dia eu durmo, de noite fico andando. Pra não rodar. Bobeou, jacaré vira bolsa. Tomo banho na represa. Comida me dão nas lanchonetes por aqui. Sabe do que mais? Tô cansado de saber onde fica o supermercado três amigos. Você não está com medo?

Agora, chegando quase em frente de casa, pensei: “deve ser mais um louco na cidade tentando me assustar. Fazer confidências, a troco de quê?”

A rua morta. Nem mosquito à vista. Pensei em tocar na vizinha para despistar. Faltou vocação pra “amigo da onça”. Então, tentando aparentar a maior calma, e me fazendo de desentendida:

- É só seguir em frente, o supermercado fica depois da avenida.

- Só mais um favor. (Abrindo a sacola e exibindo o conteúdo.) -Ganhei esses pedaços de pizza e preciso comprar um refrigerante.Tá tão calor. Você tem uns trocados pra me dar?

Até tinha, só que nesta altura não ia abrir a bolsa pra ele, ali no meio da rua.
-Vou ficar devendo, ando só com passes para a condução.

- Não tem não? Quem mora em casa tá pior do que quem mora na rua... Quer saber?


Enfiou a mão no bolso da bermuda e tirou um “bolo de notas” de R$10,00 e R$ 50,00, vi apavorada que a história da fuga era pra valer.

- Tó, pode pegar, presente pra você, ele insistia.

-Não muito obrigada, não precisa. Ao que retrucou aos gritos:
- O quê, vai recusar? Você falou comigo na boa. Foi simpática... Não posso te fazer um presente não? Pega aí!
- Claro que pode, e eu agradeço de coração, mas você está na rua e espero que aproveite bem seus dias de liberdade.
-Você mora aí?
Fui abrindo o portão de entrada da casa, coração aos pulos. Ele seguiu andando devagar, olhando pra trás. Mostrou o cabo do revolver enfiado sob a camiseta, no cós da bermuda e gritou.
- Tchau! Feliz Ano Novo! Olha, joga na loteria que hoje é seu dia de sorte!