sábado, 28 de janeiro de 2012

Cai levanta, cai levanta



Consta que, Deus, cansado de ouvir reclamações sobre a Terra, mandou que o urubu sobrevoasse tudo e retornasse dizendo o que viu. Ele voltou contando das guerras, carniças (delícias), poluição, violência, catástrofes e vícios, um inferno enfim.

Desolado, Deus quis ouvir uma segunda opinião. Pediu então que a pomba fizesse o mesmo. Aí ela retornou dizendo do sol clareando a terra e o orvalho das plantas. Dos passarinhos arrulhando nas árvores após um dia de chuva. Das flores com seus diversos matizes sob o céu de azul diáfano. Das cachoeiras que inundavam a atmosfera com sua música maviosa. De crianças a brincar e a sonhar. De velhos nas praças a ver a vida passar com graça a dar milho aos pombos.

Deus então deu um logo suspiro e declarou: é preciso olhar o mundo com os olhos da pomba.


Este é o desafio do paulistano. Olhar esta cidade com os olhos da pomba. Ver a beleza que existe na diversidade, na concentração de talentos, nas oportunidades de desenvolvimento e mudança. Beleza no seu centro cultural, nas atividades criativas. Na poesia concreta das suas esquinas, como na canção.

Cai,levanta, cai levanta. Vocês sabem do que estou falando. Como na teoria do evolucionismo, os mais aptos sobreviverão. Uns chegam de longe para se tratar e vão ficando. Outros chegam munidos de muita vontade de trabalhar, transformar o pouco, em muito. Tenacidade de aço e nervos de concreto faz do cidadão paulistano um ser singular. Caçadores de beleza na cidade dos migrantes e imigrantes. Diz-se que quem vive aqui, está apto a viver em qualquer lugar. Uma metrópole que contempla tanto o olhar do urubu como o olhar da pomba. A escolha é sua.

SP é um pólo de atração. Atrai os que ousam sair da zona de conforto e mudar, transformar, garimpar ouro em merda. Cidade em constante mutação a provocar mudanças em seus atores. Quantos desses 11 milhões de habitantes, sem contar os 10 milhões no entorno, aqui chegaram apenas com a roupa do corpo, coração acelerado e um sonho na cabeça povoada de ilusões.  Educaram seus filhos, trabalharam e conquistaram seu espaço. Quem não se envolve não desenvolve.

Amar sua cidade. Apropriar-se dos seus espaços. Nossos parques, nossas praças. Sonhar juntos. Saber que num dia, policiais estão brandindo seus cassetetes e spray de pimenta. E que, no outro, acontece um desfile de moda de uma grife famosa, em plena região da Luz, mais conhecida como “Cracolândia”. Que hoje, fazemos muito mais que antigamente.  Que para levantar é preciso antes, cair. Que egoístas os temos e também solidariedade. A tragédia e o espetáculo. Choro e riso. Corruptos. Honestos, a maioria.  Ainda bem.

Cair do pedestal da ilha do egocentrismo. Sair da inércia e elevar-se em sabedoria.




terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Octogésimo



1932:

• São Paulo tinha quase um milhão de habitantes e não engolia Getúlio Vargas.
• Na sede da Fiesp, não se discutiam negócios- conspirava-se contra o Governo provisório.
• Revolução constitucionalista
• Criação da moeda própria, o dinheiro da revolução
• Instituição da Carteira do Trabalho, em todo país
• Novo Código Eleitoral: introdução do voto secreto, do voto feminino, da representação classista, da Justiça Eleitoral.
• Decretos: regulamentação do emprego de mulheres na indústria, garantia dos contratos de trabalho, limitação da jornada de trabalho a oito horas.
• Primeiros anúncios radiofônicos
• Decreto proibindo que novas mudas de café fossem plantadas durante três anos
• Nos EUA - a eleição de Franklin Roosevelt
• Já na Alemanha, o dirigível alemão Zeppelin inaugurava vôos regulares à America do Sul.

Aí a cegonha trouxe aquele bebê rosadinho que foi embalado com indescritível ternura. Quem o acalentou, não podia imaginar que ali estava um homem destinado a uma existência criativa, escritor e bom amigo. Capaz de comover e fazer rir. Permitir ao leitor levitar e sonhar. Danado de bom em relatar o cotidiano desta São Paulo do Non Ducor Duco. Cidade dos migrantes e dos imigrantes.

Do quintal, ao seu bairro, o Brás. E quando vemos, está falando do universo, de sua gente e mazelas. Memórias. Um jeito italiano de ser. O ouvido musical apurado. Das histórias de loteria às ilusões do dia a dia. Revelando como pensa, sente e age. Saborosas crônicas a encantar espíritos ávidos de boa leitura.

O carinho dos amigos, os comentários postados, prova inquestionável do talento. Anima e incentiva a todos com sua generosidade nesta torrente literária. Lança luzes no ambiente. Segue “a vida como um rio e como um rio se renova”. Sonhos que não desvanecem.

Oitenta anos não é estar velho, é ter “excesso de juventude”. Num dos seus comentários, você disse: a vida é como um buquê. Se algumas flores não agradam, outras compensam pela beleza e perfume. É com este aroma que digo: Parabéns, Modesto! Grata por ser fonte de vontade e luz. É comovente sua disposição em ler, comentar os textos, aglutinar pessoas. Um gesto delicado merece delicadeza.
Publicado no: http://memoriasdesampa.blogspot.com/2012/01/octogesimo.html

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O gazebo


Descer para Praia. Pois é. Chega um dia, que cansados do footing no shopping, a tal da praia do paulistano, ou do tropel de pés nas faixas, neguinho chega em casa dizendo: Vamos descer pra praia! “Sufficit diei malitia sua” ( a cada dia bastam as suas atribulações”). Toca a pegar aquele maiô do século passado, o chapéu mais que manjado, protetor, toalhas, a caixa de cerveja, vinho para o jantar e torta de queijo, que ninguém é de ferro.

O tráfego no sentido litoral da rodovia dos Imigrantes fluía bem.

Casa de amigos e uma boa motivação: a inauguração do “gazebo”.
Gazebo, como é do conhecimento geral, é aquela tenda para você aproveitar muito mais, os momentos de lazer na praia (ou no campo, você decide). Para ele, foi dado como presente de aniversário. 


Começou a irrisão: é uma boneca inflável, disse o amigo.  Por isso, ele constrangido, levou o pacote para abrir em casa.
 

Mas, era um gazebo. Não um gazebo qualquer, um gazebo e tanto! Daqueles pra ninguém se preocupar com o sol ou com a chuva. Poliéster impermeável, estrutura retrátil em alumínio. E prático muito prático. Simples de montar e desmontar ainda que, aqueles sob sua sombra protetora, não sejam capaz de fazer o quatro, como se dizia antigamente.
 

Acepipes na bolsa. Barris de cerveja, daqueles de 5 litros, mais amigos que detinham a técnica de mantê-la gelada a uma temperatura agradável (já que o barril de alumínio tem alta condução térmica e esquenta facilmente).

Debaixo daquele presente, loucuras inofensivas. Embalados por um vento comportado e sol reluzente nas beiradas, era só degustar lentamente as delícias. Dolce vita.

Dizem que a alegria o mantém doce, desafios o mantém forte, tristezas o mantêm humano, falhas o mantêm humilde, sucesso o mantêm reluzente, mas somente amigos, o mantém em movimento. Da vero.

Então, chegou a Marré para brindar com seu mantra e a liberar toda imaginação. Arriba! Abajo! Al Centro! Y Pa'Dentro! Aí virou Brasil, e não tinha pra ninguém. Como fliperama desgovernado, era um tal de rir, piscar, gritar e repetir o mantra. Enquanto isso,  cumprir o mandamento. A ponto de o camelô parar e ralhar conosco.

Já que idade é um conceito relativo, lá estávamos nós dando lições de vigor aos jovens surfistas sarados. Loucuras inofensivas.

Alma leve e o organismo nem tanto, subimos para o almojanta.  Para nossa sorte e recreio de alma, um delicioso “bacalhau espiritual” nos aguardava. Aleluia!