domingo, 11 de setembro de 2011

Tudo de volta outra vez

“O que é preciso é ser-se natural e calmo tanto na felicidade e na infelicidade, sentir como quem olha, pensar como quem anda, e quando se vai morrer lembrar-se que o dia morre, e que o poente é belo, e é bela a noite que fica” (Fernando Pessoa)

Tudo começou quando descobri um preservativo na carteira do filho mais velho, que na época tinha 16 anos. Depois, pararam de me pedir documento em filmes impróprios para 18 anos. Em seguida, deram de levantar para me cumprimentar e também para dar lugar no assento do ônibus. O ponto crítico: Outro dia, perguntei ao fiscal do Terminal Santo Amaro, onde era o ponto do ônibus que ia pela Avenida Adolfo Pinheiro. Ele me respondeu que era na plataforma A, do lado oposto. Eu perguntei se era pra subir a escada, e ele respondeu que a acompanhante de idosos me conduziria. Nem tive tempo de retrucar (aquela minha pergunta foi besta). Veio a mocinha, delicadamente me deu o braço, conduzindo-me por aquela portinhola dos mal formatados pela natureza e dos prejudicados pelo DNA vencido. Entretanto, eu poupei minhas pernas cansadas de guerra.

As escadarias continuaram lá impávidas sem o meu contato. Entrei no ônibus. Conformada com a situação, acomodo-me no espaço destinado aos ”idosos, gestantes e pessoas com deficiência”. Divago.

Quero meu pescoço liso de volta. Barbelas zero. A boca carnuda que não parava de falar. As mãos lisinhas sem aquelas pintinhas marrons. Pés bonitos e saudáveis com unhas perfeitas. É querer demais? Quero meus cabelos negros, bastos e brilhosos. Afinal a medicina tem que evoluir!  Dermatologistas com tempo e juventude pra estudar é o que não falta. Lembrei mais. Quero as pernas longilíneas prontas pra caber em calças 38. A volta do branco dos olhos e o brilho do amanhã para sempre estampado na cara de pau das reminiscências. Capacidade de ler a bula num relance, sem nenhuma lente. Dá pra devolver o riso inconseqüente  e o juízo indolente?
Querer é poder.

E essa agora. Descobriram que a pressa é um dos fatores que estimulam a obesidade. Fui fazer os cálculos de dividir o peso pela altura e, o resultado pela altura. Embatuquei total na tal de massa corpórea. A epidemia da obesidade se agravando. Lições de meditação. Saborear uma única uva passa durante vários minutos. A quem pensa que está enganando? Dependência de informação. Dependências químicas? Isquemias? A avalanche de informação exterior a inibir a informação interior?  Clico aqui, clico acolá. Checo e-mails e surfo na web. Posto no face. Desconecto-me para conectar-me com a dermatologista. Viajo.  Só rindo.


quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Vai corinthians!


Era 1977 e o clima, uma ansiedade cinzenta. A alegria em preto e branco. A realidade em tecnicolor.


Luis Pinguinha, faltou ao trabalho para ficar picando papel. O Dario fez um balão enorme em preto e branco. O Muniz saiu pra comprar ingressos pra todos.


Não entendia nada do que via. Medo da massa. Virgem de estádio. De concreto o filhinho de seis anos, louquinho pelo Corinthians. Ingresso na numerada, que seguro morreu de velho. As colegas de escritório quiseram ir. As comadres com seus pimpolhos corinthianos, também.


Entrar no Estádio do Morumbi até que foi fácil. Coração disparado. Como sair daqui no final? Em volta só emoção. Multidão cadenciada entoava: filhos da puta, filhos da puta. Eram guardas que entravam com seus cães policiais. Alinhavam-se em campo para dar mais segurança. Segurança? Engrossar esse coral. Catarse popular. Desabafos anônimos em resquícios de ditadura.


Os olhos dos circundantes a brilhar. Ovação ao plantel corinthiano. A boca a salivar. Coração a saltitar. Entra a Ponte pra enriquecer o repertório de nomes feios.


Começa o jogo. A Jurema gritava:Geraldão, minha paixão, Geraldão, minha paixão! Virou bordão.


Bem depois e era já, aos 36 minutos, Zé Maria bate uma falta pela direita. A bola percorre toda a pequena área e vai parar no pé de Vaguinho. De bico, ele chuta a bola no travessão do goleiro Carlos. Na volta ela quica no chão e sobe para Wladimir cabecear. Em cima da linha, Oscar também de cabeça, salva. No rebote, a bola sobra pro pé direito de Basílio. Ele faz o gol. Quebrou o jejum de 23 anos! Festa no Morumbi. No cordão de isolamento até os guardas chorando.A torcida invade. Faz mal não.


Esperar a vida toda pra sair do estádio. Ainda assim, massa comprimida. A numerada é pra poucos. A rampa de saída, pra todos. Neguinho segurava a bandeira no ombro.Enorme. No mastro de bambu, a cachaça já secara. Com a mão livre, batucava levemente nos traseiros de quem vinha à frente. A Jurema perdeu o radinho de pilha. Roubaram o guarda-chuva da Neuza.


Na rua lateral , o ônibus da torcida Ponte Preta. Se puseram a cantar: Joga pedra na Geni, joga bosta na Geni. O filho falou, vamos correr mãe? Melhor não, ela respondeu. Então vou tirar a camisa.Não demonstre medo, que é pior, filho. Uma pedra acertou o braço, outra maior nas costas. Lapidação bem agora? Uma viatura chegando. Ufa!

O resto foi o que vocês ouviram no rádio.
11.08.2010
  

Publicado na CBN em:

Um bando de loucos