terça-feira, 7 de setembro de 2010

O penico

A Loja das Folias era mesmo uma folia. As coisas, empilhadas no chão de cimento, encerado com vermelhão e em cima de plásticos, que prateleira não tinha não. Tinha de um tudo: roupas, panelas, cordas, lampiões, redes, pratos, talheres e, penicos. Competia às vendedoras meninas moças, acompanhar o cliente e ajudá-lo a carregar a compra até o setor de pacotes. Ah, trabalhar no pacote, o objeto de desejo de todas elas. Era o lugar mais limpo e discreto. E ninguém tinha que andar pela loja segurando um penico pela alça.

A rotina: no alvorecer, levar as duas pilhas de penicos (uma esmaltada e a outra de alumínio) e deixar na frente da loja, em destaque. Como ninguém gostava e dava vergonha, esta tarefa era feita por sorteio. Cada dia da semana uma garota 'sortuda', bem cedo, ao alvorecer, tinha que levar as pilhas e postar na entrada da loja. Na boca da noite, ao escurecer, a obrigação era recolher os bispotes para o interior da loja. Fim do expediente, que era das 7h às 19h (E hoje em dia, ainda falam em crise...).

Ano 1965, a Loja das Folias funcionava na Barão de Duprat em Santo Amaro. Em frente ficava o ponto final do ônibus Pedreira. Ela era a balconista mais jovem. Tinha 15 anos, pagava I.A.P.I. e ganhava metade do salário mínimo. Assim era a lei, que ECA não tinha não.

Naquele dia, trajava saia justa vermelha, blusa branca de jabot (voltou a moda) e usava delicada sandália, com saltinho de metal. Tac-tac-tac. Num átimo, era só pegar a pilha de urinóis e entrar correndo antes de alguém ver. Num átimo a estratégia falhou. Escorregou. Caiu de bunda. Na queda, seu pé esbarrou nas pilhas e lá se foi penico pra tudo quanto é lado. Bem no meio da rua. O som dos penicos rolando no asfalto doeu na alma. Ninguém podia saber que se faz isso naquilo. Seu Geraldo, o gerente, gritando: “Vai lá logo recolher os urinóis, menina!” Os carros buzinando sem parar.

De relance ela visualizou a fila inteira do ônibus Pedreira, com seus paqueras habituais, rindo desbragadamente. Prostrada estava, prostrada ficou. Queria que o chão se abrisse e a tragasse como naquele acidente do metrô há pouco tempo. Que Deus a perdoe.

Foi correndo chorar no banheiro. Benedito, o menino laçador e que ficava na frente da loja, cuidando pra ninguém roubar, é quem teve que catar a penicada sob risos gerais.

Do banheiro ela não queria sair nunca mais. Já que o chão não se abriu, melhor era morrer de vergonha na privada. Os gritos do Seu Geraldo nem mais a incomodavam. Depois de muito insistirem e na certeza que a fila do ônibus já tinha entrado, ela deixa seu sonho de um dia ser promovida ao 'setor de pacotes'. Saiu de fininho.

No breu da noite alguém ainda comentou: 'Foi aquela ali que derrubou os penicos'.

3 comentários:

  1. @erikagomesbrand A Suely Schraner, autora, é escritora de primeira. Tenho várias histórias escritas por ela. via twitter

    ResponderExcluir
  2. De: http://www.limacoelho.jor.br/vitrine-comentarios
    (3)COMENTÁRIOS
    Oi Suely, uma historia muito legal
    Comentário Enviado Por: Fabiana Em: 09/5/2011
    ________________________________________
    Muito engraçado mesmo
    Comentário Enviado Por: Louise Cantarelli Em: 09/5/2011
    ________________________________________
    Coitada da garota, ficou com vergonha da revoada dos penicos, mas os que riram na certa usavam o objeto tão precioso no tempo que b]não existia as suites e os sanitários eram nos muros.
    Comentário Enviado Por: william porto Em: 09/5/2011

    ResponderExcluir
  3. (8)COMENTÁRIOS via http://www.limacoelho.jor.br/vitrine/ler.php?id=5290#comentarios
    .Suely eu bem posso imaginar o que era para uma mocinha ter de carregar penicos, mesmo novos, numa loja, pra cima e pra baixo, até há uns dez anos. Imagine ter de pegar penico que se soltou como uma manada de bois numa queda. Ô tristeza!
    Comentário Enviado Por: Janice Feitosa Em: 10/5/2011
    ________________________________________
    Sebastião e Mirtes,
    Exorcizei o meu "bullyng" e estou curtindo seus comentários. Obrigada.
    Comentário Enviado Por: suely aparecida schraner Em: 10/5/2011
    ________________________________________
    Um causo engraçado e muito bem
    escrito
    Comentário Enviado Por: Sebastião Almeida Em: 09/5/2011
    ________________________________________
    Pois é, foi tão engraçado que estou rindo até agora, um tempão depois de ter lido
    Comentário Enviado Por: Mirtes Trinta Em: 09/5/2011
    ________________________________________
    Fabiana, Louise e William;
    Agradeço pela leitura e comentários.
    Abraços
    Suely
    http://suelyaparecida.blogspot.com
    Comentário Enviado Por: cgestorveleiros@gmail.com Em: 09/5/2011
    ________________________________________
    Oi Suely, uma historia muito legal
    Comentário Enviado Por: Fabiana Em: 09/5/2011
    ________________________________________
    Muito engraçado mesmo
    Comentário Enviado Por: Louise Cantarelli Em: 09/5/2011
    ________________________________________
    Coitada da garota, ficou com vergonha da revoada dos penicos, mas os que riram na certa usavam o objeto tão precioso no tempo que b]não existia as suites e os sanitários eram nos muros.
    Comentário Enviado Por: william porto Em: 09/5/2011

    ResponderExcluir