domingo, 4 de dezembro de 2011

Cascata de lama



Mãe morrera cedo. Foi ter com a madrinha. Casa velha da fazenda: lavar, tear, plantar e colher. Banhos no córrego transparente. Cobra d’água reluzente tantas vezes, presente. Escapar. Arriar cavalo, cuidar do monjolo. Faina a consumir dias em noites de pirilampos. Corpo a clamar carinho, querer um ninho.

Veio de mansinho. Sorriso aberto, olhar sincero. Viúvo. Seis filhos. Casamento e viagem à capital. Talento reprodutor. Dúzia de vidas em miniaturas, atual. De crupe viral, um morreu. Ambulância a rodar pela cidade e vaga zero. Sair do sertão e ver filho morrer, sem atenção. 

A garoa, os raios e tempestades. Água da chuva e lágrimas de dor. Concreto armado e paz desarmada. Ilhas de calor. Incentivo a ocupações desordenadas. Assistir proliferação de áreas de risco. Miopia gerencial de governantes. Promessas ladeira abaixo.

No alto, o boteco. Porão de guardar garrafas de vidro. Era tudo retornável. Até litro de leite. De vidro e tampa de alumínio. Deixado na porta. Vez por outra, encontrado pela metade. Embaixo, o barraco. E chuva. Cascata de lama a se apressar em beijar alicerces. Construção em mutirão sem nível. Vida sem prumo nem rumo. Noites de agonia. Acordar com a água a ensopar o colchão. Levantar, pegar canequinha e balde. A criançada a raspar a água. Improvável percussão no amanhecer. Clareia e a vizinhança comenta a sinfonia. Sol a secar tudo no telhado singular.

Um dia, tudo ruiu.  Homem forte chorava, tremia, na ventania. Sacudidos, da vida urbana excluídos. Cidade tragável, tragando. Aturdidos.

Das quase 17 mil toneladas de lixo por dia, moderna opção de vida. Equilibrar o resíduo. Desequilíbrio climático e um catar sorumbático. Catadores. Desgaste planetário para futura geração. Das cordilheiras de lixo escapar da vida de bicho. 
Suely Aparecida Schraner

2 comentários:

  1. Olá, Suely!

    Que lindo...e que triste!
    É a história de zilhões de pessoas que saem de seu berço esplêndido para se aventurarem na gigante que resplandece esperanças... Mas, nem sempre é assim.
    Fato.
    Parabéns!
    Muita paz!

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  2. As pessoas são o grande patrimônio desta cidade. E como disse Guimarães Rosa, o brasileiro é antes de tudo um forte.Valeu, Soninha. Paz e flores!

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