sexta-feira, 9 de maio de 2014

O quiabo



Por: Suely Aparecida Schraner

Era uma casinha branca com portas e janelas azuis. Tinha um pequeno jardim na frente, adornado com dálias, miosótis e lírios.  Ali morava a avó e sua netinha.  A casa situava-se na Vila Operária, em Goiânia, Goiás.  A sala era simples. Tinha duas janelas. Sempre abertas durante o dia. Havia mais quatro cadeiras de madeira e um oratório.

Ao lado, o quarto com duas camas de solteiro com colchões de palha e outro oratório. A avó, devota de todos os santos, da virgem Maria e do pai eterno, rezava fervorosamente todos os dias.
  
Na cozinha, tinha dois armários de madeira escura e sem portas. As prateleiras eram forradas com papel cor de rosa. Este papel era trocado toda semana. A netinha ajudava a recortar. Tinha flores vazadas e às vezes, alguns furos feitos delicadamente com a tesoura, o que dava impressão de renda.  As panelas ficavam enfileiradas em um jirau. De tão areadas a gente nem precisava de espelho. O chão da casa era de terra batida. Aspergia-se um pouco de água antes de varrer. Vinha aquele cheiro bom de terra molhada em dia de chuva. O fogão era à lenha, como em quase todas as casas.

A netinha ajudava a buscar a lenha e catar gravetos.
A cozinha típica goiana assimilou muito da culinária mineira, por causa da influência dos tropeiros.  Quando a neta acordava, o fogo já ia alto soltando faíscas em minúsculas estrelas. A casa da avó, o seu céu de anil.
O café escoava do coador de flanela, exalando a festa do amanhecer. O leite fervia criando natas grossas, que de tarde, viravam manteiga.

Na hora do almoço a avó matava uma galinha das que viviam soltas no quintal. Depenava, sapecava no fogo, lavava com sabão de pedra. Raspava todo o excesso da pele e temperava. Alho, sal, manjericão, alecrim, açafrão e cebola. Tudo da horta caseira.  Depois, ela preparava uma polenta.

O quintal era cercado por arame sem farpas.  Na cerca, crescia chuchu e quiabo. A avó pedia para a neta ir colher os quiabos mais verdinhos e tenros.  Ela colhia porque era obediente e a avó mandava. O quiabo lhe dava engulho. Antes, a madrinha lhe contara que o quiabo nascia da baba dos bobos.  Eles babavam, a baba caía no chão e pronto: nascia o pé de quiabo. Naqueles rincões do Brasil Central, tinha muito bobo que babava.

Nesse quintal, o forno à lenha varrido, esperava os bolos, biscoitos, petas e pão doce que a avó fazia para vender.
Na casa da avó a infância e a vida passavam com muita leveza.  A pobreza era rica de cheiros, cores, amores e brilho nos olhos.

Agora, sensações emanam transitando em ventos brandos da memória enevoada.

Numa evocação afetiva, a neta cozinha e come quiabo com frango e polenta. O quiabo frito, não tem baba.
08.10.2014

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