quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Vai corinthians!


Era 1977 e o clima, uma ansiedade cinzenta. A alegria em preto e branco. A realidade em tecnicolor.


Luis Pinguinha, faltou ao trabalho para ficar picando papel. O Dario fez um balão enorme em preto e branco. O Muniz saiu pra comprar ingressos pra todos.


Não entendia nada do que via. Medo da massa. Virgem de estádio. De concreto o filhinho de seis anos, louquinho pelo Corinthians. Ingresso na numerada, que seguro morreu de velho. As colegas de escritório quiseram ir. As comadres com seus pimpolhos corinthianos, também.


Entrar no Estádio do Morumbi até que foi fácil. Coração disparado. Como sair daqui no final? Em volta só emoção. Multidão cadenciada entoava: filhos da puta, filhos da puta. Eram guardas que entravam com seus cães policiais. Alinhavam-se em campo para dar mais segurança. Segurança? Engrossar esse coral. Catarse popular. Desabafos anônimos em resquícios de ditadura.


Os olhos dos circundantes a brilhar. Ovação ao plantel corinthiano. A boca a salivar. Coração a saltitar. Entra a Ponte pra enriquecer o repertório de nomes feios.


Começa o jogo. A Jurema gritava:Geraldão, minha paixão, Geraldão, minha paixão! Virou bordão.


Bem depois e era já, aos 36 minutos, Zé Maria bate uma falta pela direita. A bola percorre toda a pequena área e vai parar no pé de Vaguinho. De bico, ele chuta a bola no travessão do goleiro Carlos. Na volta ela quica no chão e sobe para Wladimir cabecear. Em cima da linha, Oscar também de cabeça, salva. No rebote, a bola sobra pro pé direito de Basílio. Ele faz o gol. Quebrou o jejum de 23 anos! Festa no Morumbi. No cordão de isolamento até os guardas chorando.A torcida invade. Faz mal não.


Esperar a vida toda pra sair do estádio. Ainda assim, massa comprimida. A numerada é pra poucos. A rampa de saída, pra todos. Neguinho segurava a bandeira no ombro.Enorme. No mastro de bambu, a cachaça já secara. Com a mão livre, batucava levemente nos traseiros de quem vinha à frente. A Jurema perdeu o radinho de pilha. Roubaram o guarda-chuva da Neuza.


Na rua lateral , o ônibus da torcida Ponte Preta. Se puseram a cantar: Joga pedra na Geni, joga bosta na Geni. O filho falou, vamos correr mãe? Melhor não, ela respondeu. Então vou tirar a camisa.Não demonstre medo, que é pior, filho. Uma pedra acertou o braço, outra maior nas costas. Lapidação bem agora? Uma viatura chegando. Ufa!

O resto foi o que vocês ouviram no rádio.
11.08.2010
  

Publicado na CBN em:

Um bando de loucos


4 comentários:

  1. Comentários antigos;
    4 comentários:

    Conselho Gestor disse...

    • Parabéns!!!
    Mandou bem pra caramba!!!!
    Passou todos os sentimentos daqueles momentos maravilhosos que também pude vivenciar, eu estava lá.
    É isso aí, e agora com Estádio novinho e moderno recebendo a abertura da Copa 2014, "os mano vai indoidá + ".
    Abraços.
    Isaias via e-mail
    18 de setembro de 2010 08:42
    Conselho Gestor disse...

    Cara Suely,
    que lindo o seu texto! Tudo descrito com muito calor e vivacidade. Um conto/crônica completo. Só acho que você é corintiana sim, mesmo que não
    saiba.• Muito obrigado pela leitura generosa da coluna e pela gentileza de mandar
    seu belo texto.
    Abraço, bom fim de semana.
    Zé Geraldo Couto (via e-mail)
    18 de setembro de 2010 08:45
    Conselho Gestor disse...

    •Suely, minha querida,
    você sabe que sou palmeirense.Falo honestamente que não gosto do Corinthians, mas amo muitos corintianos do coração.
    Lembro-me bem daquela noite e da repercussão, em toda a imprensa, sobre a conquista corintiana depois de quase vinte e quatro anos sem títulos: sei de muitos amigos corintianos que levaram um pedaço do gramado como lembrança;
    que não trabalharam no dia seguinte para continuar festejando;
    que choraram e que sorriram de tanta emoção e felicidade;a torcida corintiana é maior do que o próprio Corinthians e seu texto "Torcendo para a torcida" soube captar muito bem esse espírito.Parabéns pelo artigo. Parabéns pelo olhar amoroso com que você vê a vida e os homens.
    Baci.
    Penha (via e-mail)
    18 de setembro de 2010 08:48
    Conselho Gestor disse...

    Que lindo Suely!!!

    Me lembrei de vc contando essa história lá em Floripa....e como o texto da asas pra imaginação e nos faz vivenciar e ver o momento de fato, não é mesmo!?

    Adorei.....! E tb estou com saudade!
    Mariana (Radio Mix por e-mail)

    ResponderExcluir
  2. Olá, Suely!

    Que bacana este texto, mesmo antigo!
    Lembro da festa,lá em casa,por conta deste jogo.
    Meu amado paizinho,corintiano fervoroso, era uma alegria só, depois de 23 anos de sofrimento.
    Saudade!
    Valeu!
    Muita paz!

    ResponderExcluir
  3. Soninha,
    e lá tem algum corinthiano que não seja fervoroso? Bem que dizem que, quando o Corinthians ganha, o café vem mais quente e a cerveja mais gelada,ou seja,todo mundo feliz e cheio de amor pra dar. Grata pelo comentário.Muita paz e flores pra você também!
    Suely

    ResponderExcluir