domingo, 17 de abril de 2011

Virada





Sou um palco anexo e desconexo. Sobre mim, carrego outros palcos.  Sou cabeça do Brasil. Metrópole do trabalho, inovação em serviços. Sem parar. Arrecadando impostos para a União. Para todos do rincão. Inovação em serviços. Diversos em versos. Acolho todas as cores, as dores e flores. Tudo super, hiperbólica. Meus governantes, mega descuidam de mim. Acolho sem distinção quem me ama e quem me odeia. Apreciar e depredar. Construir e demolir. Limpar ou poluir. Os verbos transitando indiretos, desarrumando a direção. A vida em parafuso helicoidal. São Paulo na convulsão. Noites brancas de sujeira na virada sem igual. Cascata cultural.  Negócios, ócios, bócios pro ar. Concentração de talentos ao relento na planície paulistana.  Diversidade total.

Fui lavada, policiada, esvaziada dos ambulantes e “craqueiros” de plantão.  A vida provisória em vinte e quatro horas. Noites brancas em lembranças. São João e Barão, palcos da explosão da multidão. Pernas brancas, pretas, amarelas. Todos na passarela. São matizes irmanados e colados. Almôndegas civilizadas, cidadãos pasteurizados, interligados em sentimentos velados. Nem há  segregação nesta comemoração.
Afrouxar, respirar , puxar o ar, sair deste sufoco.

Ressoam-se os clarins. Trezentas baterias,seiscentos braços, numa orquestra improvável. Anhangabaú, Praça dos Correios. Centro velho e cultural. Revoar de arte para ver, ouvir, sentir.  Raios fúlgidos outonais, num calor abrasador. Sentido acalentador.

O ajuntamento defronte do palco principal da Estação Julio Prestes, é um frenesi de cores, raças e estratos sociais. Bandeira do arco-íris, antecipando a Parada: desce emotiva do edifício, tremulando em decadência. Desfraldada a intolerância.
As moças equilibristas, num guindaste a bailar na atmosfera mista e espúria. Sobre o bafo e esgares, na planície enlevados, milhares de jovens antenados, policiais fardados e velhos oxigenados. Burlando a proibição, ambulantes e o ramerrão: “cerveja gelada, dez real”. Whisky e vodka: “mamadeiras” trazidas de casa. Um gole aqui e uma tragada acolá e a noite vai caindo. O sol cede passagem a uma lua prateada na paisagem encantada.
A roqueira Rita Lee começa polemizando: "Moro aqui há 65 anos. I love São Paulo. O rock in Rio, perto da Virada paulista, é um cemitério. Daqui não saio daqui ninguém me tira. Sou viciada no cheiro de merda do Rio Pinheiros. Entra prefeito, sai governador e eles não fazem p*nenhuma"."Eu quero que todos se f*, porque nenhum escapa. E a gente vota neles. Será que não tem ninguém Ficha Limpa?  Só não quero que f* com o  meu Corinthians. Seus p..." Vibração geral. Um sósia do cantor Michael Jackson, “ressuscita”, para o delírio dos fãs. 

No palco Júlio Prestes é mais uma Virada. Enquanto isso, noutros palcos da cidade, imperdíveis movimentos. Ainda pulso.
Suely Aparecida Schraner – 17.04.2011

3 comentários:

  1. Muito bonito, Suely. Bem escrito que dá gosto, mas não vontade de participar dessa Virada. Pelo menos para mim, que detesto multidões. Então fica difícil, pois como diz minha mulher, qualquer acontecimentinho aqui vira Mega Evento. E quem passou tantas vezes por essas velhas ruas, antes, como vc disse , esculturais e até românticas, e viu o lixo aque elas foram relegadas, pensa não duas, mas vinte vezes antes de voltar ao Centro. Abraços.

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  2. Olá,Suely!

    Excelente exortação à Sampa, através de seu poético texto...Ficou lindo!
    Postamos também lá no Memórias de Sampa,ok?!
    Valeu!
    Muita paz! Beijosssss

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  3. Juranildo Jonas de Souza comentou link via facebook
    "Que lindo,é por isso que sou amarrado em uma mulher madura!!!"

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