sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Pescar com a mão







Era um rio cristalino. Cascalhos nas margens. Sol de rachar. Pedrinhas coloridas e cristais a reluzir na cidade de Nortelândia.  A casa da minha tia era de frente para este rio.  Igreja de Sant ‘Ana ao centro. De cada lado, casinhas de reboco. Região de garimpo. Chamava-se rio Sant ‘Ana.

A gente ia lavar louça nas margens. Era só sentar, lavar, arear e colocar as panelas de alumínio para secar ao sol. Aquele sol brilhando nas panelas e em nossas cabeças, entre o trópico de Câncer e o trópico de Capricórnio. Zona tórrida. A zona tropical contém áreas que são os lugares mais quentes da Terra. Bioma: Cerrado e Amazônia.


Ao lavar a louça os restos da comida atraiam peixes.  Pescávamos com a panela. Aí era só jogar o coitado no cascalho e ficar olhando o pobre se debater até morrer e servir de janta. Era um tempo em que se garimpava com peneiras e escafandro. Reza a lenda, que o compadre Sebastião (lá todo mundo é compadre ou comadre), pegou um diamante na raiz da mandioca.


Havia também a época das cheias. Para os adultos muita preocupação, tristeza e perdas. Para nós crianças, uma festa. A cidade perdia seu marasmo. O rebuliço, a agitação dos adultos, toda aquela movimentação, nos atiçava e tirava do sério. No embalo da canoa a gente sorria e se deixava fotografar.


Legenda: Da esquerda para a direita Suely e a tia

Deu-se a abertura da navegação pelo Rio Arinos ao Pará. Isto favoreceu novas incursões pelo município pelas águas do Paraguaizinho e Santana que serviram de estrada natural de penetração para se atingir o afluente amazônico.



Nortelândia transformou-se em próspero povoado. Dezenas de habitações rústicas, com cobertura de palha, se multiplicaram de improviso. Atrás dos diamantes vieram aventureiros, comerciantes, prostitutas enfim toda a gente em busca de sonhos de riqueza por meio dos minérios preciosos.


Então chegou a “Promise”, uma companhia americana. Veio com suas dragas, moeda forte e capacidade para se estabelecer. Comprou os pequenos garimpos, cercou tudo, botou seguranças. Contratou gente que antes garimpava por conta própria. A escavação agora feita pelas dragas e em alta escala, gerou assoreamento e erosão.



O rio foi ficando barrento e cheio de mercúrio. A vida do rio e dos peixes por um fio. O elevado preço do progresso apagou sonhos brilhantes.


Nota:
Nortelândia, conhecida também como: Terra da Felicidade, é um município brasileiro do estado de Mato Grosso. Localiza-se a uma latitude 14º27'17" sul e a uma longitude 56º48'10" oeste, estando a uma altitude de 244 metros. Área: 1.351 km –Fonte: Wikipedia



domingo, 7 de julho de 2013

Bolivianos





“ Compadre, vengo sangrando desde los puertos de Cabra. Si yo pudiera, mocito, ese trato se cerraba. Pero yo ya no soy yo, ni mi casa es ya mi casa” [Federico García Lorca, Romance Sonámbulo, em Obra Poética Completa]

Explosão de cores e buzinas, a pontilhar tarde invernal paulista com numerosos pontos de luz. Acordes andinos. O grupo com suas vestimentas típicas, toma de assalto a calçada da esquina da praça Floriano, em SP. Munidos de suas quenas (flautas) e zampoñas (flautas de Pã), rasqueados de violões, charangos, e  marcações rítmicas de bombos lagueros.

Pintar a vida de imigrantes, com cores e acordes de sonhos mutantes. Eles estão por toda parte.  Por vezes, são confundidos com índios ou japoneses. Gente de pele morena, cabelos lisos e olhos puxados. Movidos a sonhos de melhores oportunidades. Fugindo da miséria em busca de oportunidade. Precariedade. 

Segunda maior comunidade de migrantes na cidade. Atrás apenas de portugueses, e superior a chineses e peruanos. São Paulo, cenário de passos e descompassos.

Cidade que abraça e também sufoca.

Expressões sérias, solenes. Ainda pulsa a lembrança do menino assassinado por chorar e também porque os pais não tinham mais dinheiro. Residência provisória em cubículos. Tirar o RNE (Registro Nacional de Estrangeiro), só com emprego regular e renda. Por trás das máquinas de costura muito suor e sangue. Na luta contra o preconceito vencendo dificuldades. Um medo travado que paralisa a voz e suga a crença na justiça. Violência a estancar a fé e motivar a meia volta. Volver à terra natal. O que mais se deseja: “La paz”.

Dias de angústia e silêncio. A violência que fascina e tange. Violência grátis sem necessidade de passaporte. Em acordes dissonantes.
(Suely Schraner)




 http://www.suelyaparecida.blogspot.com.br/

sábado, 6 de julho de 2013

Antecipando o abraço









Coração que bate na cadência do saber e da alegria.

Lembranças bailarinas enlevando realidades. Cantar possibilidades. Idades.

Renovar as faculdades. Cultivar as amizades.

Saberes estimulados. De novo e de velho, esquecer as cizânias.  Enfezado é o que está cheio de fezes.

No ápice da existência com mais saúde e energia.  Validade vencida que resplandece. Perecível sim, mas com qualidade.

Aproveitar a meia-entrada que a vida é por inteiro.  Trocando as folhas. Virando as páginas. Raízes firmes. Vontade pra viver bem na terra que se tem.

Antecipando o abraço, criando laços.
Veja também: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=531619983572677&set=a.216582725076406.52238.137411876326825&type=1&theater