visto do alto da janela |
O ocaso da existência chegou para o Urso.
Ultimamente, vivia para dormir. Mancava e perdia o
apetite. Às vezes, urinava sangue.
Na visita ao veterinário a constatação: um tumor de 8,5cm
no pulmão mais outro grandão nos testículos. Na maca, deu a patinha duas vezes
sem ninguém pedir. Parecia estar dizendo: estou indo!
Tomou soro, injeção e anti-inflamatório. Bateria de exames
que durou um dia inteiro.
Já em casa, meio que voltou da beira da morte. Parecia bem
melhor. Reclamava a ração. O desejo de se alimentar era mais forte do que a
doença.
Novamente a dificuldade para andar. De noite se batia
como em convulsões. De dia, mal saía da casinha para dormitar ao sol. Urinava
perna afora. Aqueles olhos cor de mel, só brilhavam ao ver o prato de ração
pela manhã, Sabia que depois, iria dar umas voltas, coisa que adorava. Mas as
pernas fraquejavam e tinha que voltar carregado. A dor era visível naquele toquinho
de rabo. Orelhas quase sempre caídas. Pêlos soltando-se aos tufos, como aquela
florzinha que a gente assopra e voa pelos ares. A cabeça cada vez mais em forma
de triângulo. Inchaços.
A difícil decisão: prolongar a vida com mais sofrimento
ou a eutanásia canina. De cortar o coração. Depois que os filhos se foram,
formamos a santíssima trindade. Agora, nosso amigão, que nos amou e cuidou da gente,
dormiria para sempre.
Na manhã anterior fui procurá-lo no quintal para dar-lhe
uns “bifinhos”, que eu sempre comprava na volta da biblioteca. Era nosso segredo. Elevou seu olhar mais dócil
e seguiu-me até a porta da sala. Depositei o petisco na aba da casinha e ele se
regalou. Terminou de mastigar e me olhou profundamente. Parecia triste.
No dia da injeção letal, foi trazido até o meu quarto. O
ar estava carregado de lembranças. Nossos diálogos silenciosos na hora do banho
de mangueira, as massagens delicadas nos parcos quilos de mansidão e ternura.
Gostava desse aconchego e acredito que ele também. Vivenciávamos cada momento.
Por mais de treze anos, ele nos encantou com as diferentes
maneiras de latir. Uma modulação diferente para cada emoção. Se alguém estava
chegando, se tocavam a campainha, se era o carro do filho encostando. Tudo
requeria um esforço diferente para se expressar. Quando voltávamos de um
passeio, aí então, a conversa era longa e num ritmo alucinante. Gesticulava
usando as patas como se fossem mãos. Só vendo. Lealdade a toda prova.
Olhos rasos d’água, eu disse: “Vai Urso, a gente se
encontra qualquer dia, lá onde vivem os mortos”.
O céu continuava inabalável com suas suaves nuvens de
outono. Ventos de maio embalavam melancolia. Choveu um pouco e depois estiou. Tudo
acaba. Até nós.
Posto para dormir. Anestesiado para sempre. Aqui,
eternamente na lembrança.
SP, 06.05.2015
SP, 06.05.2015
05.05.2015 |
É sempre triste estas partidas, partimos um pouco, e um pouco de quem foi fica gravado em nossos corações.
ResponderExcluirA dor do sacrifício e da escolha passará, e a certeza de escolheu a vida, e todo o sentido de vida plena, das lembranças vivas e vivazes que o Urso compartilhou ao longo dos anos.
Urso boa viagem, e que esteja correndo entre belas paisagens deste universo infinito.
Verdade, Wilson. Grata pela visita e amáveis palavras.
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